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Açúcar, o ouro branco

Escrito por REGINALDO DOS SANTOS AURESLINO em 07/05/2018

"ouro branco" chamado açúcar

 
Hoje quando compramos um quilo de açúcar no mercado, fazemos no máximo escolher a marca e ver o preço mais barato, alguns procuram escolher entre seus tipos e até mesmo procurar por um açúcar light. Outros preferem os adoçantes artificiais e há aqueles que tiraram o excesso de açúcar da dieta. Comprar açúcar hoje é algo tão banal como comprar sal. Na maioria das vezes não pensamos na sua surpreendente história. Eu como historiador, quando visito um mercado, me vem em mente a história por trás daqueles produtos, pois alguns deles moldaram o mundo. 
 
Todavia, há cinco séculos o açúcar era mercadoria luxuosa e preciosa, em alguns momentos poderia valer seu peso em ouro. No entanto, a história do açúcar vai muito além desse fator econômico, o açúcar foi uma das mais importantes especiarias orientais que levou a criação de um mercado internacional. Empresas, companhias, lojas, refinarias, engenhos, entrepostos, depósitos, etc., foram fundados em várias partes do mundo; rotas comerciais foram criadas; os europeus se lançaram aos oceanos e desbravaram águas antes desconhecidas para eles. Terras "foram descobertas" ou "redescobertas". Povos foram atacados, subjugados, conquistados, escravizados, destruídos ou colonizados. 
 
Colônias surgiram, e algumas se tornaram países. O açúcar criou um próspero comércio que se espalhava pelos quatro cantos do mundo, influenciando direta ou indiretamente a vida de milhões de pessoas, de distintas línguas, crenças e etnias. Carregadores, agricultores, marinheiros, piratas, senhores de engenho, banqueiros, mercadores e escravos estiveram envolvidos no cultivo da cana de açúcar, na sua produção e venda. 
 
O açúcar de alguma forma influenciou importantes mudanças econômicas, políticas e sociais na Idade Moderna, tornando-se entre os séculos XVI e XIX uma das principais mercadorias a serem comercializadas no Ocidente. A história do açúcar foi marcada por inovações tecnológicas, aventuras, descobertas, perigos, desastres, guerras, revoltas, desenvolvimento, esforço, trabalho e escravidão. 
 
Neste texto procurei contar alguns aspectos dessa fascinante história sobre o açúcar, o qual na Idade Moderna foi o "ouro branco" de sua época. Logo, depois que terminar de ler esse texto, espero que da próxima vez que você comprar um quilo de açúcar ou for adoçar alguma comida ou bebida, pense nisso, aqueles grãos brancos moldaram a História moderna. 
 
A cana de açúcar: 
 
A cana de açúcar é uma planta nativa de regiões tropicais, adaptada ao clima quente e úmido, necessitando de uma boa quantidade de chuvas regulares e de iluminação, para que assim possa se desenvolver bem. A cana ao longo dos séculos acabou se adaptando a distintos terrenos e tipos de solo, proliferando-se desde solos lamacentos na Ásia, à solos fofos e ricos em húmus nas Américas. A cana dependendo da espécie, em geral são plantas finas, com hastes longas de onde brotam as folhas. Algumas espécies chegam a passar dos quatro metros de altura (GALLOWAY, 2000, p. 437). 


"A cana sacarina não atinge a altura de uma árvore, mas a do milho e de outras canas, erguendo-se em calamos de sete a oito pés, com uma polegada de grossura. É esponjosa, suculenta e cheia de um miolo doce e branco. Teem as folhas dois côvados de comprimento, a flor é filamentosa e a raiz macia e pouco lenhosa. Desta saem rebentos para a esperança de nova safra. Gosta de solo úmido, clima quente e ar mais tépido. A índia Ocidental é feracíssima destas canas, conquanto também as produza a Oriental". (BARLÉUS, 1940, p. 74).

Fotografia do interior de um canavial. 
A matéria-bruta da cana, encontra-se em sua haste ou caule, e dependendo da espécie, pode ser facilmente aberta com uma faca, machado, ou até com os próprios dentes. No entanto, o uso de máquinas para moê-la é a forma mais eficiente de extrair seu sumo, chamado de caldo de cana

A cana de açúcar é uma planta originária do sudeste asiático, pertencendo ao gênero Saccarum, que desde os tempos antigos vem sofrendo modificações genéticas, devido a miscigenação entre distintas espécies de Saccarum. Hoje a maioria das canas cultivadas, pertencem a uma espécie hibrida, resultado de séculos de intervenções agrícolas. Algumas das principais espécies de canas, registradas em livros antigos são: a S. robustum, S. edule, S. barberi, S. sinense, S. spontaneum e a S. officinarum

As espécies Saccarum barberi e Saccarum sinense são originárias respectivamente da Índia e da China, no entanto, a espécie que se proliferou mais, foi a Saccarum oficcinarum, oriunda da ilha de Nova Guiné, na Indonésia. Além da S. officinarum a Saccarum edule e a Saccarum robustum, também são originárias dessa ilha. 

"S. officinarum is the species of basic importance to the history of the sugarcane industry. In New Guinea its evolution into an exceptionally sweet cane led to wide diffusion throughout the Pacific islands and eastward through southern Asia to Mediterranean Europe and America". (GALLOWAY, 2000, p. 438). 
 
A espécie S. officinarum tornou-se a mais importante no cultivo mundial de açúcar, sendo amplamente difundida pela Indonésia, e levada ao continente. Posteriormente, levada a Europa, África e as Américas. 
 
Não se sabe quando o ser humano domesticou as diferentes espécies de cana de açúcar. De acordo com Civitello (2008, p. 123), a cana começou a se espalhar na Nova Guiné por volta de 8.000 a.C. Galloway (2000, p. 438) por sua vez, menciona que inicialmente a cana era usada como comida de porcos desde a pré-história, pois sua alta quantidade de carboidratos e glicose, o que ajudava os porcos a ganharem peso mais rápido. No entanto, quando as pessoas descobriram que se poderia também comer o doce caule da cana, passaram a empregá-lo como alimento. 


Origem das espécies de cana de açúcar. 
Logo, desde tempos antigos, os asiáticos da Índia a China, e da China a Indonésia, estavam familiarizados com tais plantas, inclusive até as usavam como oferendas em seus ritos. Aqui se percebe que a cana deixou de ser usada apenas como alimento para animais e pessoas, mas também passou a ser usada para questões religiosas, como oferendas a deuses, espíritos e outras divindades.

A cana foi cultivada por séculos até que da Índia, em dado momento da História, ela foi levada para o Oriente Médio. De acordo com Amaral (1953, p. 326), foi na época de Alexandre, o Grande no século IV a.C, que mudas de cana foram levadas à Pérsia, e se espalharam pelo império. Séculos depois, quando os árabes deram início a sua expansão pelo Oriente Médio, eles difundiram o cultivo da cana, e acabaram levando a planta em suas viagens para a África e a Europa. Assim, encontramos menções a cana no norte e leste da África, na Sicília, em Creta, em Chipre, na Espanha e Portugal. Por volta do ano 1000, uma grande refinaria de açúcar foi construída na ilha de Creta, chamada pelos árabes de Candia, do qual originou-se o termo "candy" em inglês. Dessa refinaria, os árabes vendiam açúcar para todo o Mediterrâneo (BENDINER, 2004, p. 65).

"The new profession of pastry chef was made possible by a new food, one the Arabs had that the Europeans had never seen before and wanted very much. They called it “white salt.” Its grains were approximately the same size as those of salt, but it was pure white, unlike salt, which varied from grayish to greenish depending on the minerals it contained. And it was sweet. The Arabs had learned from people in India how to take the sugarcane stalk, remove the juice and leave only the sweet dry crystals. The process was time-consuming and labor-intensive. Sugar— exotic, expensive, tasty—was highly prized by the upper classes in Europe as a medicine. Apothecaries shaved flakes off cones of sugar and sold them by the gram like other drugs. Medieval physicians considered sugar the perfect medicine for treating toothaches". (CIVITELLO, 2008, p. 73). 

Foi ainda na Idade Média que a cana tornou-se mais familiarizada aos europeus, pois na Antiguidade, há relatos gregos e romanos mencionando tal planta, que eles achavam ser originária da Ásia Menor ou do Oriente Médio. Na Idade Média, bizantinos, italianos, portugueses, espanhóis, etc., passaram a ter um maior contato com o cultivo da cana e a produção de açúcar graças ao comércio com os árabes. (LEMPS, 1998, p. 611).


Pintura medieval mostrando um mercador pesando açúcar em uma balança. 
"Ora, o gosto pelo açúcar não cessava de se difundir pela Europa ocidental. Para satisfazer esse mercado nascente, as refinarias multiplicaram-se no século XV nas planícies da Sicília, reconquistada pelos normandos no século XI; foi igualmente na primeira metade do século XV que novas plantações foram criadas na Espanha, no Levante de Valência, o que permitiu ativas exportações para os país do Norte". (LEMPS, 1998, p. 612). 

Os usos do açúcar:

Antes de prosseguir para falar como o açúcar tornou-se o vetor de uma indústria global, é preciso conhecer seus usos como produto. Os antigos egípcios por volta de 2500 a.C, desconheciam o fabrico do açúcar, no entanto, tinham ciência da sua utilidade para além da alimentação. No processo de mumificação, os sacerdotes usavam mel para extrair a umidade do tecido humano, assim, matando as bactérias que iriam decompor o corpo (CIVITELLO, 2008, p. 15). 

Como foi dito anteriormente, o açúcar como conhecemos, não é algo natural, é necessário ser fabricado. Foi com os indianos que se encontraram os primeiros indícios da fabricação de açúcar por volta de 800 a.C, onde se encontra em relatos escritos a menção da fabricação de um produto granulado, proveniente da cana de açúcar. Por sua vez, a própria palavra açúcar é de origem indiana, advindo da palavra sharkar (CIVITELLO, 2008, p. 22). 

Nessa época em que os indianos haviam desenvolvido uma técnica para criar-se açúcar, o produto não apenas era usado para a alimentação, mas também para intuito ritualístico, mágico e medicinal. Atribuições essas que seriam também usadas por outros povos ao longo da História, das quais algumas serão apresentadas adiante. 

No Mahabaratha, importante poema hindu, o deus do amor Kama, é descrito usando um arco feito de cana de açúcar. Na mitologia grega, os antigos gregos diziam que seus deuses tomavam uma bebida chamada Néctar, a qual seria nove vezes mais doce do que o mel. Eles também se alimentavam de uma comida chamada Ambrosia. Alguns mitos diziam que se um humano bebesse Néctar e comesse Ambrosia, ganharia a imortalidade. Na mitologia escandinava, o deus Odin alimentava-se principalmente de hidromel, um vinho feito de mel, conhecido por seu gosto adocicado. 

O deus hindu Kama, usando seu arco feito de cana de açúcar. 
 
Todavia, o consumo de açúcar pelos europeus em geral adveio da ingestão de mel e de frutas, pois o fabrico de açúcar era algo raro na Europa antiga e medieval, e neste caso apenas os ricos é quem possuíam dinheiro para comprar açúcar geralmente de mercadores árabes, condição essa que continuou ao longo de toda a Idade Média, sendo a partir do século XV, que os portugueses entraram no agronegócio canavieiro, passando a competir com os árabes e os italianos (os quais revendiam a mercadoria). Neste caso, a cozinha árabe estava mais familiarizada com o uso de açúcar como tempero e especiaria (CIVITELLO, 2008, p. 64). 

Mas além dessa função alimentícia como já assinalado (e na qual voltarei a mencionar novamente), o açúcar também passou a possuir funções ligadas a medicina e a magia (AMARAL, 1958, p. 327). Se na Ásia ele já possuía tais empregos, ao ser levado a África e a Europa, ele também manteve tais características. 

O açúcar era receitado por médicos e curandeiros como medicamento para distintos tipos de problemas de saúde. Ele poderia ser ingerido puro, misturado com alguma bebida, misturado em uma poção, beberagem, ou numa pasta ou em forma de emplastro. E até mesmo receitado para ser consumido como biscoito, bolo ou algum tipo de doce, pois os médicos da época o consideravam um alimento nutritivo (CIVITELLO, 2008, p. 141). O açúcar geralmente era receitado para tratar de males relacionados como dor de dente (algo que hoje não faz nenhum sentido, e pelo contrário, o excesso de açúcar gera cáries), e males relacionados a digestão, estômago, intestino, fígado, etc (BARLÉUS, 1940, p. 74). 


Para usos mágicos e de bruxaria, o açúcar poderia ser usado para distintos tipos de feitiços e poções, das quais seriam benignas ou malignas. No entanto, não encontrei nada mais detalhado sobre isso. Suas virtudes adocicantes, teriam um elemento de atração, de sedução; algo que auxiliaria na hora de efetivar o uso de tal magia. De fato em termos biológicos, as papilas gustativas do seres humanos e de outros primatas, referentes ao sabor doce, se sobressaem comparadas ao salgado, azedo e amargo. Embora haja pessoas que não gostem de comidas doces, em geral a espécie humana e tencionada biologicamente a apreciar comidas e bebidas doces. 

Outro uso que o açúcar possuía era o de conservante. Normalmente se pensa no sal, para essa utilidade, mas o açúcar quando misturado com frutas, massas, pastas e geleias, contribui para aumentar a durabilidade de tais alimentos (SILVA, 2000). Dessa forma, frutas glaceadas, cristalizadas e em conserva, duram mais do que frutas normais. E numa época na qual não havia formas de refrigeração eficazes, fazer tais comidas doces, era uma maneira de garantir alimento para a casa, por alguns dias. 

“The quantities of sugar increased considerably with its use in the conserving of fruits and jam making. This method of preserving fruits was admittedly not unknown in the Middle Ages, but it spread from royal and princely courts to the kitchens of more modest and more numerous social groups such as shopkeepers, artisans, and peasants. Later, the making of these preserves became a supplementary job, a rather important one for this new bourgeoisie, often of rural origin, that still possessed several acres of pleasure gardens and orchards at the gates of the city”. (STOLS, 2004, p. 240). 

Com tal uso, o açúcar também contribuiu para modificar a culinária em todo o mundo e a desenvolver novos hábitos alimentares. 

“It is curious that since the Middle Ages the French have considered other nationalities, especially the Italians, as people with excessively sweet tastes, who drink too heavily fortified (sugared) wines and who use too much sugar in the preparation of foods”. (MONTANARI, 2004, p. 87). 


“What appears particular to Portugal is that the abundance of sugar permitted the use of those fruits and legumes that were heavy and bulky, inexpensive and bland, and did not lend themselves to the use of honey, much too expensive and difficult to use in such large quantity. Thus, the Portuguese did not hesitate to conserve in syrup the omnipresent chestnuts, known as the fruit of the poor, or to cook in sugar the astringent quince or different varieties of squashes and gourds, the cabaças [calabashes], jirimuns, and chila. These, similar to the doces de abóbora (Brazilian sweet pumpkins) and relatives of the Mexican camotes (sweet potatoes), seem almost unique in Europe and do not appear as abundantly elsewhere. Le cuisinier français (1651) mentions only sugared pumpkins and marrons glacés (iced chestnuts).π In addition, in Portugal, sugar even served to salvage leftover rice as arroz doce (sweet rice), or slices of stale bread as rabanadas (French toast)”. (STOLS, 2004, p. 241). 

Os europeus não descobriram o gosto por doces com o açúcar, eles já o tinham devido ao uso do mel, porém a apicultura não era bem desenvolvida e dependia muito da coleta natural, trabalho difícil e perigoso. Mas com o desenvolvimento das plantações açucareiras, o gosto pelo açúcar antes restrito as classes abastadas se difundiu pela sociedade. E o mel foi perdendo espaço nas receitas, para o açúcar. 

"O açúcar ampliara a doçaria, fazendo-a variada, determinando as espécies procuradas e provocando vocações inventivas. O jesuíta Duarte de Sande acompanhara à Europa a primeira embaixada enviada pelo Japão ao Ocidente; quatro príncipes nipônicos que vistaram o Papa Gregório XIII (1572-1585). Duarte de Sande esteve em Lisboa e escreveu exaltada descrição. Admirara a Rua dos Confeiteiros, desaparecida no terremoto de 1755: "como todos os anos da ilha de S. Tomé, de muitos portos do Brasil, ilhas Canárias e da Madeira é importada para Lisboa, em muitíssimos navios, inumerável quantidade de finíssimo açúcar, é tal a abundância de doces e bolos expostos à venda n'esta rua, que não somente dá para o consumo da idade, mas se exporta para muitas outras da Europa". (CASCUDO, 2004, p. 301). 

A partir do século XV, a produção açucareira começou a crescer no Mediterrâneo e na costa ocidental africana, através das colônias insulares de Portugal, localizadas na MadeiraAçoresCabo Verde e São Tome e Príncipe. O infante D. Henrique (1394-1460) um dos principais responsáveis pela política expansionista marítima de Portugal foi quem expediu as ordens para se iniciar o cultivo de cana na Madeira, nos Açores, no Cabo Verde e em outras localidades. D. Henrique viu que o açúcar era um produto rentável, e decidiu ampliar os canaviais nos domínios portugueses. 


Na Ilha da Madeira onde surgiram os primeiros engenhos portugueses, neste caso em 1452Diogo Vaz de Teive, escudeiro do infante D. Henrique, construiu o primeiro engenho na ilha, na Capitania do Funchal. Seu engenho era movido a água. Em 1590Gaspar Frutuoso, autor de Saudades da Terra, apontava a existência de mais de 30 engenhos apenas na Madeira, embora salienta-se que a produção açucareira madeirense estivesse em declínio devido a produção brasileira que a ultrapassara. 


"Em 1440 uma arroba valia, na Inglaterra, 18,30 gramas de ouro, que representam 1:120$000 em poder aquisitivo de hoje, ou sejam 75$000 o quilo. Em 1470, este preço havia baixado para 45$000, e, em 1501, valia apenas 8$500 o quilo.  A produção portuguesa, principalmente a da Ilha da Madeira, provocou a destruição das culturas do Mediterrâneo e o desequilíbrio no comércio". (SIMONSEN, 1937, p. 145).

"Em 1498, para evitar a queda dos preços do açúcar, o rei D. Manuel decidiu limitar as exportações da ilha a 120.000 arrobas (1.780 toneladas); além disso, a ordenação fixou uma quota por destino, preciosa indicação sobre os clientes do açúcar da Madeira nessa época: 40.000 arrobas para Flandres, 15.000 para Veneza, 13.000 para Gênova e 6.000 para Livorno, ou seja, um total de 34.000 para os três grandes portos redistribuidores do Mediterrâneo; Aigues-Mortes e Rouen tinham direito a 6.000 arrobas, La Rochelle a 2.000, Lisboa e Londres a 7.000; Constantinopla chegou a receber até 15.000 arrobas". (LEMPS, 1998, p. 612). 
 
No entanto, do século XV ao começo do XVII o açúcar ainda era mercadoria luxuosa, e somente a nobreza e a burguesia tinham dinheiro para comprá-los. Logo, o açúcar como outras especiarias, eram mercadorias de luxo, e aqueles que a possuíam atestavam sua prosperidade perante a sociedade. Pois tais alimentos serviam de indicadores de distinção social (BENDINER, 2004, p. 64). 


Pintura alemã retratando uma mesa com um bule de chá, uma xícara, um vaso com leite, algumas tortinhas e um açucareiro. Autor desconhecido, 1873. 
"Antigamente um pão de açúcar (cada pão tinha pouco mais de dois quilos) era arrolado como bem precioso, nos tesouros reais. Atribuía-se ao produto da cana virtudes miraculosas para a saúde. Sete pães de açúcar (14 quilos), deixa a mulher de Carlos V da França, no seu testamento, entre joias preciosas. E o sucessor deste rei dá a outro soberano, como presente real, mais alguns quilos da mágica mercadoria". À época do descobrimento do Brasil, a Europa tomava tudo com açúcar: a carne, o vinho, o peixe". (AMARAL, 1958, p. 327).


Na Inglaterra do governo dos Tudor no século XVI, o açúcar era tão caro, que apenas os ricos o compravam. O rei Henrique VIII, conhecido pelo seu grande apetite, era um grande apreciador de doces, fazendo questão de que em seus banquetes, abundassem tais guloseimas. No século XVII, o rei francês Luís XIV também era um apreciador de tais guloseimas, além de gostar de consumir café e chocolate quente, bebidas que eram tomadas apenas se fossem adocicadas. 


“During the same period at Hampton Court Palace, King Henry VIII also succumbed to the costly new taste for sugar. His cooks furnished the royal table and receptions with all kinds of confectionery, spices coated in sugar, marmalades, marzipan, sugar plates, and subtleties such as figures of soldiers, saints, and even a St. George on horseback or a St. Paul’s Cathedral. Under Elizabeth and James I, the sugar banquet evolved into a standard element in court entertainment”. (STOLS, 2004, p. 239).

Um fato curioso dessa época, é que como as pessoas não tinham o hábito de escovar os dentes, ou usar outro meio para limpá-los; de tanto consumirem açúcar e doces, os dentes acabavam ficando escuros devido as cáries. Contudo, a nobreza soube contornar essa consequência. Os dentes cariados passaram a ser sinônimo de "riqueza", pois significava que para ter dentes escuros devido ao açúcar, você deveria ter muito dinheiro para comprar tal mercadoria. Logo, havia casos de pessoas menos abastadas, que passavam fuligem e outras substâncias para escurecerem os dentes. 


Foi a partir do século XVII que com o grande crescimento do comércio açucareiro, principalmente no Brasil, nas Antilhas, Bahamas e Caribe, é que o açúcar começou a baixar de preço devido a sua abundância, com isso, ele tornou-se mais acessível a população em geral, e as receitas proliferaram. Todavia, mesmo durante o período que ele custava caro, havia outras formas de se conseguir essa açucarada iguaria: era através de xaropes, melaço, açúcar mascavo ou de outros tipos de menor qualidade. O açúcar chegou a ser considerado uma das "drogas do Oriente", por ser uma substância viciante (STOLS, 2004, p. 275). 

Além de mudar gostos culinários, o açúcar também alterou comportamentos e costumes. Sobre isso Câmara Cascudo menciona como o hábito de preparar bolos em Portugal se tornou algo tão comum e sendo feito para distintas ocasiões. Embora haja bolos salgados, ainda hoje os tipos de bolos mais consumidos são doces.

"O bolo possuía uma função social indispensável na vida portuguesa. Representava a solidariedade humana. Os inumeráveis tipos figuravam no noivado, casamento (o bolo de noiva), visita de parida, aniversários, convalescença, enfermidade, condolências. Era a saudação mais profunda, significativa, insubstituível. Oferta, lembrança, prêmio, homenagem, traduziam-se pela bandeja de doces. Ao rei, ao cardeal, aos príncipes, fidalgos, compadres, vizinhos, conhecidos. O doce visitava, fazia amizades, carpia, festejava. Não podia haver outra delegação mais legítima na plenitude simbólica da doçura. Completava a liturgia sagrada e o cerimonial soberano". (CASCUDO, 2004, p. 302).

No final do século XVII, bebidas como o café e o chá, tornaram-se populares, e por sua vez, as pessoas passaram a usar açúcar para melhorar seu sabores, embora que antes disso, já fosse hábito em alguns lugares, adoçar o vinho também. 


“Após a vulgarização do chocolate, foi o café, cujo uso se espalhou desde 1650, um dos produtos que mais contribuiu para a expansão do açúcar, sabido como é que o consumo de café obriga ao do açúcar em peso pelo menos igual ao daquele”. (SIMONSEN, 1937, p. 173).
 
Pintura de uma cafeteria londrina em 1688. 
“The introduction of chocolate, coffee, and tea into Europe caused a rise in the demand for sugar, while the availability of sugar increased the demand for chocolate, coffee, and tea. A sugar spiral developed: as sugar became more available, its price dropped; as its price dropped, it became more available to more people. What had been a medicine for the rich in the Middle Ages was a staple for even the poor by the middle of the eighteenth century”. (CIVITELLO, 2008, p. 122). 


Enquanto os europeus e árabes apreciavam o uso do açúcar para melhorar o gosto forte do café, ou preferiam misturá-lo com leite, foi graças ao açúcar que o chocolate tornou-se um doce popular, pois o cacau é naturalmente amargo. Logo, com o uso do açúcar ele tornou-se um dos mais amados doces do mundo. 
 
O chocolate foi apenas um dos doces que destacou-se na Idade Moderna, outras guloseimas passaram a serem mais recorrentes como: pães doces, tortas, cremes, caldas, coberturas, caramelos, pudins, suflês, balas, biscoitos, bolos, panquecas, compotas de frutas, frutas açucaradas, mingais, geleias, bebidas adocicadas, etc. 
 
Pintura retratando monges espanhóis produzindo chocolate na Idade Moderna.
"Mas o grande inimigo, agente incansável de Satanás, era o açúcar. Entrando na República em quantidades adequadas para reduzir suficientemente o fator custo e chegar às mesas das camadas médias, o açúcar brasileiro alimentava o apetite dos holandeses por doces - apetite então já sedimentado. Na década de 1640, havia mais de cinquenta refinarias de açúcar operando em Amsterdã, e petiscos tradicionais como waffles, panquecas e poffertjes podiam ser complementados com açúcar polvilhado ou caldas caramelizadas. Bolos e biscoitos que antes não recebiam nenhum tipo de tempero, a não ser um pouco de mel ou, nas cozinhas ricas, açafrão e anis, agora podiam incluir pedaços de frutas cristalizadas ou misturas até então inéditas de gengibre oriental e melaço ocidental". (SCHAMA, 1992, p. 169). 
 
O açúcar também contribuiu para origem de algumas bebidas como o chocolate quente e a limonada. Por outro lado, a cana de açúcar tornou-se matéria-prima para a elaboração de algumas bebidas alcoólicas feitas a base de seu caldo, como o aguardente de cana (mais conhecido no Brasil como cachaça), o rum e a garapa. Não obstante, o próprio caldo de cana é consumível, embora não fosse apreciado na Idade Moderna pelas elites. 
 
Essas três bebidas alcoólicas tiveram um papel importante na história colonial. A cachaça foi usada pelos portugueses como moeda de troca para se conseguir mercadorias dentre as quais, escravos africanos; por sua vez, o rum tornou-se a principal bebida alcoólica no Caribe, Antilhas e Bahamas, tornando-se mercadoria bastante procurada, a ponto de ser contrabandeada, e gerar conflitos entre as autoridades e os piratas. No caso da garapa, por ser uma bebida de baixa qualidade, feita com as sobras do caldo de cana, tornou-se a bebida popular dos pobres e dos escravos. 

"Os negros fazem, às vêzes, uma mistura detestável de açúcar preto e água, sem a mínima fermentação, à qual dão o nome de Garapa. Bebida barata, os negros usam-na em suas festas que chegam a durar 24 horas entre dansas, cantos e beberagem. Só brigam, nessas ocasiões, por ciúmes. Às vêzes adicionam à garapa, folhas de cajueiro que, dada a sua natureza quente, torna a bebida mais forte". (NIEUHOF, 1682, p. 304). 

"O café, o chá e o chocolate seguiram a trilha do açúcar; mas o açúcar foi o mais importante, em parte porque era essencial para o sucesso dos demais; pois, enquanto nenhum dos povos que produziram aquelas bebidas necessariamente incluía o açúcar em suas receitas, os europeus que as provavam só raramente as aceitavam sem açúcar. O açúcar esteve na vanguarda da "revolução das bebidas quentes" do século XVIII". (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2004, p. 270). 

Na Idade Moderna, o açúcar começou cada vez mais a ser um produto regular nas cozinhas de diversas casas espalhadas em alguns cantos do mundo. Se tomarmos o caso da Europa e das Américas, dependendo das condições financeiras de uma família, poderia-se encontrar na cozinha, na parte dos condimentos, açúcar, sal, canela, gengibre, cravo, salsa, orégano, grão de mostarda, coentro, açafrão, pimenta, etc. 

"O consumo de açúcar pelos ingleses - que, segundo um texto da época, tinham "a boca mais adoçada da Europa" - aumentou consideravelmente no decorrer do século XVIII: de 2 kg por habitante e por ano, em 1700-1709, passou para 6,7 kg em 1792 e para 9 kg em 1800-1809. Como bem foi demonstrado por Sidney Mintz, o açúcar - reservado, antes de tudo, à classe abastada - tornou-se o complemento do cup of tea até mesmo entre os operários". (LEMPS, 1998, p. 623). 

Além de se tornar um alimento regular, o açúcar também contribuiu para o desenvolvimento de uma indústria alimentícia: a fabricação de doces e derivados, além de tornar o ofício do confeiteiro algo comum. Todavia, a indústria alimentícia só se desenvolveu propriamente no século XIX, quando a industrialização estava estabelecida, antes disso, tivemos uma produção artesanal e manufatureira em baixa escala, mas o suficiente para abrir docerias e pastelarias


“While Lisbon seemed to be the capital of this rapid expansion of the new art of preserving that was at once aristocratic and more quotidian, the first, more concrete indications of the art’s economic and social importance were also found in the Portuguese capital. In his inventory of the economic riches of the city in 1552, João Brandão counted no fewer than thirty tendas de confeiteiros (confectionery shops), each employing four to five people, amounting to a hundred fifty in total, including fifty women, making marmalade (açúcar rosado e laranjadas), which they sold to those going to the Indies or Guinea. There were ten more tendas de pastéis (pastry shops), where more than thirty people busied themselves with making small pastries or morsels, often lightly sugared”. (STOLS, 2004, p. 242). 

Essa renovação na cozinha não se deu apenas nas receitas que se podiam produzir tendo o açúcar como ingrediente, mas também agiu no surgimento de novos utensílios domésticos. Com a difusão do consumo de açúcar pela Europa, foi se tornando mais comum caixas de açúcar, açucareiros, colheres de açúcar, xícaras, bules de café e de chá, novos tipos de panelas e fôrmas para se fazer doces, etc. (STOLS, 2004, p. 257). 

O açúcar também influenciou os artistas da época, principalmente no século XVI e XVII, especialmente os pintores flamengos e holandeses, os quais estiveram familiarizados com as extravagâncias dos banquetes promovidos pelos ricos e burgueses em seus países. Por outro lado, o açúcar também serviu para dar nome a lugares. Stols (2004, p. 257) aponta que em cidades como Amsterdã, Antuérpia e Lisboa, havia "rua do açúcar", "rua dos doces", "rua dos confeiteiros", sendo essa última, uma rua bem famosa em Lisboa. 


Rua dos Bacalhoeiros em Lisboa, antiga Rua dos Confeiteiros. 
Com a profusão do açúcar, várias receitas foram criadas, e consequentemente uma profusão de nomes para doces começaram a serem inventados, ampliando em muito o vocabulário culinário europeu. Um dos casos mais conhecidos advém da culinária portuguesa, uma das mais expressivas quando o quesito é fazer doces. Os portugueses começaram a usar o nome de lugares, de santos, títulos reais, títulos eclesiásticos, entre outras palavras comuns do vocabulário para nomear os doces. 

"Bolinhos de amor, esquecidos, melindres, paciências, raivas, sonhos, beijos, suspiros, abraços, caladinhos, saudades. E os que traziam aromas de cela mística de freira letrada: beijos-de-freira, triunfos-de-freira, fatias-de-freira, capela-de-freira, creme-de-abadessa, toucinho-do-céu, cabelos-de-Virgem, papo-de-anjo, celestes, queijinho-de-hóstia. Satíricos: barriga-de-freira, conselheiros, velhotes, orelhas-de-abade, galhofas, lérias, casadinhos, viúvas, jesuítas arrufadas, sopapos. E os cerimoniáticos: capelos-de-Coimbra, manjar-real, bolo-rei, manjar-imperial, príncipes, marqueses, morgados. Bolos com os nomes dos conventos, santos, cidades, vilas, lugares, talvez de criadores da guloseima ou vênia anônima ao apelido do preclaro de senhores e damas que só deixaram no mundo esse vestígio no bojo dourado das gemas amarelas, revestidas pela poeira do açúcar, das amêndoas, risco à canela cheirosa". (CASCUDO, 2004, p. 303). 

O açúcar conquista o Novo Mundo: 

Como anteriormente salientado, foi ainda no século XV que Portugal ingressou com maior presença na produção açucareira, estabelecendo engenhos nas ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e posteriormente em São Tomé e Príncipe. Tais ilhas localizadas na costa ocidental africana, eram desabitadas, e de início os portugueses trataram deles mesmo trabalharem nos canaviais, mas constatando que era um trabalho bastante árduo, decidiram empregar mão de obra escrava, advinda do continente. 

Diferente do que alguns pensam, não foram os europeus que introduziram o comércio e o tráfico de escravos em África, esse já existia desde a Antiguidade. Os portugueses simplesmente descobriram essa rica oportunidade, e passaram a visitar as "feiras de trato", para adquirir cativos e os levá-los as suas ilhas, nas quais estes homens e mulheres foram ensinados a trabalhar no cultivo da cana e na produção do açúcar. Logo, quando os portugueses decidiram construir engenhos no Brasil no século XVI, eles já dispunham de uma longa experiência quanto ao comércio açucareiro. 


Três escravos africanos, trabalhando numa engenhoca, para se extrair o caldo da cana.
Assim, Portugal inaugurava na Idade Moderna, o sistema de latifúndios monocultores escravocratas (chamado pelos ingleses de plantation), o qual foi bastante difundido no cultivo da cana, do algodão e do café. Mas embora, Portugal tenha saído na vanguarda da produção açucareira, passando a rivalizar com os árabes, foram os espanhóis os responsáveis por levarem a cana de açúcar ao Novo Mundo. 

Em 1493, Cristóvão Colombo retornava pela segunda vez ao Novo Mundo, e nessa viagem ele levava consigo algumas mudas de cana, as quais plantou na ilha de Hispaniola (atual ilha de São Domingos, onde se localizam a República Dominicana e o Haiti). O primeiro canavial das Américas havia sido plantado naquele ano. A ideia naquele momento, era ver se o solo era adequável ao cultivo da cana, e esse se mostrou bem receptivo. Como o comércio açucareiro estava crescendo gradativamente, os Reis Católicos de Espanha tinham interesse de também colonizar novas terras, a fim de plantarem canaviais e produzirem açúcar. 


"Houve nas novas possessões ibéricas a primeira tentativa séria de colonização, em 1502, dirigida por Nicolás de Ovando; e o primeiro engenho americano parece ter funcionado na Antilha espanhola no ano de 1506. Até 1520 havia instalados 20 engenhos; em 1550 funcionavam, em Espaniola, cerca de 40. Depois de 1553, o México começou também a exportar açúcar para a metrópole. Apesar desse bom início, devido ao êxodo das populações das Ilhas para o México e Peru, ao desvio das atenções para a mineração de metais preciosos, e às grandes lutas e revoluções que caracterizam os primeiros tempos das ilhas do Mediterrâneo americano, arrefeceu ali a indústria açucareira, que só tomou novo impulso em meados do século posterior, quando se verificou a grande alta e considerável aumento na procura do artigo". (SIMONSEN, 1937, p. 146).

Embora os espanhóis em meados do século XVI, já dispusessem de dezenas de engenhos apenas no México, em São Domingos e alguns que seriam fundados posteriormente em Cuba e na Jamaica, a produção não eram voltada necessariamente para uma exportação massiva. A maior parte era consumida localmente nas colônias e o restante enviado para a Espanha. Os espanhóis não se importaram de investir massivamente no comércio açucareiro por muito tempo, devido a riqueza que conseguiram com os saques dos impérios asteca e inca, além das minas de prata nos Andes. 
 
Embora os primeiros engenhos das Américas, datem do começo do XVI, foi a partir da segunda metade do XVI que começou o "boom" açucareiro, no qual alavancou a produção, venda e consumo dessa iguaria na Europa. Devido ao apreço pelo açúcar, a demanda por tal especiaria aumentou muito, e os governos e particulares vendo que esse mercado era um grande potencial para se investir capital, começou-se a criar companhias, empresas, lojas, etc., para investir-se em engenhos, canaviais, refinarias e no transporte e venda do açúcar. 
 
“Com a descoberta de terras até então desconhecidas, era natural que indústrias completamente novas, como a refinação de açúcar, a do tabaco etc., surgissem. Os governos concediam monopólios aos que ousavam arriscar seu dinheiro nessas novas empresas. As novas indústrias foram, desde o início, organizadas cm bases capitalistas. Do século XVI ao XVIII os artesãos independentes da Idade Média tendem a desaparecer, e cm seu lugar surgem os assalariados, que cada vez dependem mais do capitalista-mercador-intermediário-empreendedor”. (HUBERMAN, 1981, p. 108-109). 
 
Todavia, o açúcar não é produto natural que se encontra ao cortar a cana, ele precisa ser fabricado, algo que será comentado no próximo tópico, porém, mesmo depois de pronto, o açúcar para ter uma aparência melhor e uma "pureza" também, ele teria que ser refinado. Assim, da mesma forma que se proliferaram engenhos nas Américas, na Europa em alguns locais como a região dos Países Baixos (não confundir com o atual Países Baixos), proliferaram-se refinarias de açúcar. 
 
Os flamengos, principalmente oriundos da cidade da Antuérpia (atualmente na Bélgica), eram os principais responsáveis pelo comércio e refino do açúcar português, pois Amsterdã e outras cidades holandesas ingressaram somente no final do XVI nessa rendosa indústria (MELLO, 2002, p. 104). E mesmo após o ingresso de Amsterdã no comércio açucareiro, a Antuérpia ainda manteve o posto como uma das principais cidades que comercializavam tal produto (STOLS, 2004, p. 269). Também é válido mencionar que Londres em 1585 era o maior refinador de açúcar da Europa, comprando parte da produção portuguesa (CIVITELLO, 2008, p. 123). 
 
Enquanto os espanhóis ficaram mais interessados na extração de ouro e prata, respectivamente no México e no Peru (e com razão), daí nesse primeiro momento, pouco investiram nos canaviais; Portugal não dispondo da mesma sorte (pois as minas auríferas só seriam descobertas no final do XVII), investiu massivamente na extração do pau-brasil e na produção de açúcar. 

“Em 1576, Pernambuco exportava cerca de 70 mil arrobas de açúcar e em 1583 a cifra subia a 200 mil arrobas. "Nos princípios do século XVII, diz Carli, possuindo o Brasil 200 engenhos, a sua produção era de 25 mil a 35 mil caixas de açúcar de 35 arrobas cada uma. É o tempo áureo do açúcar no Brasil”. (AMARAL, 1958, p. 329).
Detalhe de um engenho real em Pernambuco. Pintura de Frans Post, c. 1647.  
Em 1609, o então governador-geral do Brasil, D. Diogo de Meneses e Siqueira, em carta redigida ao rei Filipe III de Espanha (II de Portugal), escrevia que "as verdadeiras minas do Brasil, são o açúcar e o pau-brasil" (MENESES, 1935, p. 51). E de fato até que a descoberta das minas gerais ocorre-se, o açúcar seria o pilar econômico da colônia brasileira. 
 
E esse lucrativo produto atraiu o interesse dos franceses, mas principalmente dos holandeses. Enquanto os franceses estiveram mais interessados em contrabandear pau-brasil, os holandeses, os quais no final do XVI, eram um dos responsáveis pelo refino do açúcar português, começaram a planejar no começo do século XVII, a possibilidade de constituir colônias e tomar o controle da produção açucareira. 

Na primeira metade do XVII, a Holanda criou a Companhia das Índias Orientais (1602) e a Companhia das Índias Ocidentais (1621). A primeira focou-se no comércio de especiarias na Ásia, e posteriormente fundou colônias na ilha de Java (atualmente na Indonésia), passando a plantar cana de açúcar e café. Já a segunda, teve como meta, controlar até onde fosse possível os negócios no Atlântico, neste caso, o comércio açucareiro era o mais lucrativo, e sendo o Brasil o então maior produtor naquele canto do mundo, os holandeses decidiram investir massivamente em exércitos, armas e navios para dar início as "guerras do açúcar"


Navios holandeses da Companhia das Índias Ocidentais. Por décadas, os holandeses disputaram com Portugal, Espanha, França e Inglaterra, o comércio açucareiro no Ocidente. 
No entanto, não foram apenas os holandeses que fundaram grandes companhias mercantis, nações como Inglaterra, França, Portugal, Espanha, Dinamarca, Suécia, também dispunham de suas companhias mercantis, as quais tinham em comum o intuito de monopolizar o comércio. 

“Os nomes de algumas dessas companhias organizadas nos séculos XVI e XVII mostram onde realizaram suas empresas de comércio ou de colonização, ou ambas. Havia sete companhias das "Índias Orientais", sendo as mais famosas as britânica e holandesa; havia quatro companhias das "Índias Ocidentais", organizadas na Holanda, França, Suécia e Dinamarca; companhias do "Levante" e companhias "Africanas" também eram populares; e de interesse particular para nós, na América, eram as companhias "Plymouth" e "Virginia", organizadas na Inglaterra. Fácil é adivinhar que qualquer companhia criada com o objetivo de levar a cabo essas aventuras dispendiosas e arriscadas estava certa de receber, de seu governo, todas as vantagens comerciais possíveis. Uma das mais importantes, sem dúvida, era o direito a um monopólio do comércio”. (HUBERMAN, 1981, p. 87). 
 
“O que aconteceu com o petróleo aconteceu também com o aço, açúcar, uísque, carvão e outros produtos. Os trustes foram formados em toda parte, tentando colocar a ordem monopolista no caos da concorrência. Eram gigantescos. Eram eficientes. Eram poderosos. Por serem tudo isso, podiam reduzir os custos pela economia de produção, venda e administração. Fizeram o possível para eliminar a concorrência. Tentaram obter o controle da produção das mercadorias para poder fixar a distribuição e o preço. Fizeram uma coisa ou outra, ou ambas - desde que houvesse maior lucro”. (HUBERMAN, 1981, p. 221-222). 
 
Algumas dessas companhias não possuíam um caráter bélico propriamente, embora dispusessem de navios de guerra e soldados, mas no caso da Companhia das Índias Ocidentais da Holanda (West Indische Compagnie), ela teve um massivo investimento militar por parte do governo, quanto de seus investidores e assessores. Para se tomar os engenhos brasileiros, era preciso confrontar o poderio de Portugal e Espanha, que na época estavam unidos sob o mesmo governo, a União Ibérica (1580-1640). 

Dessa forma, em 1624 a WIC atacou a capital do Brasil, a cidade de Salvador. Após os holandeses permanecerem quase um ano de posse de Salvador, a poderosa Jornada dos Vassalos enviada pelo rei Filipe III, composta por 56 navios e 12.463 homens, os expulsou (SCHWARTZ, 1991, p. 735). Mesmo tendo sofrido essa derrota, isso era apenas o começo das "guerras do açúcar", pois os holandeses cinco anos depois retornaram ao Brasil, dessa vez tendo como alvo a Capitania de Pernambuco, a maior produtora de açúcar da colônia na época. 


"A decisão de atacar Pernambuco foi das mais fáceis, por isso que os holandeses estavam singularmente bem informados sobre as condições em que se encontrava aquela capitania. Pelas cartas do governador, Matias de Albuquerque, interceptadas durante a campanha da Bahia, ficaram eles conhecedores de que as fortificações de Olinda e Recife estavam desaparelhadas. Albuquerque dava também conhecimento de que a milícia local não excedia a 400 homens pouco experimentados, na sua maioria cristãos-novos, em que se não podia depositar confiança. Os holandeses ficaram também sabendo que as três capitanias do Nordeste possuíam 137 engenhos de açúcar, cuja produção montava a cerca de 700 000 arrobas em média, nos anos bons". (BOXER, 1961, p. 45).
 

Por 24 anos os holandeses permaneceram no Brasil, tendo chegado a controlar sete capitanias: Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Sergipe, Ceará e Maranhão. Nessas duas décadas, houveram vários conflitos por esses territórios, mobilizando milhares de homens do lado luso-espanhol e do lado holandês. Mas se as guerras do açúcar começaram propriamente no Brasil, após os holandeses aceitarem o acordo de abandoná-lo, tais guerras não acabaram por aí, elas se dirigiram para novos territórios: indo para a costa ocidental da África e as ilhas da América Central. 


Em laranja os domínios da Nova Holanda (1630-1654) no Brasil. 
Com o declínio da produção açucareira portuguesa, a produção de açúcar no Caribe e nas Antilhas cresceu vertiginosamente na segunda metade do século XVII. Passando a ser duramente disputado entre os ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses, os quais colonizaram ilhas, plantaram canaviais, ergueram fazendas, engenhos, vilas, cidades, e levaram centenas de milhares de africanos para trabalharem ali. Entre 1650 a 1850 a região caribenha seria a maior produtora de açúcar no Ocidente (CIVITELLO, 2008, p. 123), ficando o Brasil em segundo lugar, as ilhas portuguesas em África em terceiro, e depois delas vinham outros territórios nas Américas e no continente africano. Ainda assim, o consumo e as exportações não foram abalados pelas guerras,
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