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A verdadeira historia do chocolate

Escrito por REGINALDO DOS SANTOS AURESLINO em 30/10/2017

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The True History of Chocolate, de Sophie D. Coe e Michael D. Coe, (Londres: Thames and Hudson, 1996  280 é um livro para o grande público que será bem recebido por historiadores e antropólogos. Essa história bem escrita e bem documentada do cacau e de seus derivados, começa há três mil anos, entre os Olmecas do México, e termina nos dias de hoje, com os impérios industriais da Hershey e da Cadbury.

Mais de vinte espécies do gênero Theobroma, nativas da América desde o México meridional até o Brasil tropical, eram conhecidas e em parte cultivas pelos mais variados povos indígenas. Theobroma cacao, de longe a espécie econômica e culturalmente mais importante, predominava na Mesoamérica ( sul do México e oeste da América Central). Foi no golfo de Honduras, o mare nostrum dos mercadores mayas, que Cristóvão Colombo, em sua quarta viagem (1502), abordou algumas de suas grandes canoas carregadas de panos de algodão, armas, utensílios de cobre e amêndoas de cacau “ que eles pareciam ter em grande apreço”. O porque desse grande apreço os espanhóis o descobririam dezessete anos depois, com a conquista do império asteca por Cortés. Assim como os Maias, os demais povos da Mesoamérica também cultivavam o cacau com duas finalidades; a primeira e provavelmente mais antiga, era produzir uma bebida tónica e refrescante, dissolvendo em água as amêndoas torradas e moídas e adicionando-lhes diversas especiarias, inclusive pimenta; a segunda, que iria encher de surpresa os europeus, era produzir as próprias amêndoas, uma vez que elas, como veremos a seguir, eram a moeda corrente na região.

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Não havia qualquer contradição entre esses valores de uso e de troca, pois o cacau-bebida era consumido exclusivamente pelas elites (nobres, guerreiros e ricos comerciantes). Um dos principais objetivos da expansão imperial dos Astecas na direçao sudeste, durante o século XV! havia sido o de controlar as regiões produtoras de cacau no istmo de Tehuantepec e no litoral sul da Guatemala. Diz um cronista quinhentista que os armazéns de Montezuma II, em Tenochtitlan, continham grandes cargas de amêndoas de cacau, algo que podemos estimar em torno de 1.200 toneladas. Grande parte desse tesouro destinava-se a pagar o soldo dos guerreiros e também alimentá-los: Bernal Diaz, o soldado de Cortés e narrador da conquista, informa que somente a guarda do palácio consumia diariamente mais de 2.000 taças da bebida.

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Mil anos antes dos Astecas, as elites maias já consumiam o cacau-bebida em contextos rituais e cortesãos, como o atestam muitos vaso pintados e hieróglifos do período Clássico. A mais antiga evidência arqueológica do consumo de cacau, registrada pelos autores, é um vaso maia com tampa (por sinal o unico vaso com tampa de rosca de que se tem conhecimento na América) descoberto em 1984 num túmulo real da localidade de Rio Azul, no nordeste da Guatemala, atribuído à Segunda metade do século V d. C. O vaso tem hieróglifos pintados que foram em parte decifrados e lidos com a frase “Vaso para beber cacau witik, cacau kox”. Não fosse isso suficiente, o vaso continha resíduos secos que, analisados nos laboratórios das indústrias Hershey de chocolate, nos Estados Unidos, resultaram ser resíduos de cacau líqiiido Antes disso. a única evidência do cultivo de cacau na Mesoamérica é fornecida pela linguística histórica: o proto-Mixe-Zoque falado por volta de 1.000 a.C. no ístmo de Tehuantepec, adjascente à que viria a ser a área maya e onde então florescia a civilização olmeca, incluia o termos cacaw(a), que até hoje, como assinalam os autores. designa a espécie domesticada Theobroma cacao, e não qualquer outra espécie silvestre de Theobroma.

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O uso das amêndoas de cacau como moeda corrente na Mesoamérica mereceu dos autores somente breves notas extraídas das fontes quinhentistas das regiões maia e asteca. Como observou P. Peniche Rivero num estudo que os autores não mencionam, o cacau reunia aqueles que historicamente têm sido os atributos dos materiais de valor monetário: homogeneidade, divisibilidade, conservabilidade, relativa escassez e alto valor intrínseco. Cultivável de forma produtiva somente em regiões circunscritas da Mesoamérica, a sua distribuição, se não a própria produção. encontravam-se há muito tempo sob controle estatal: possivelmente desde Ah Cacau (“o do cacau”). rei de Tikal no século VII d. C. , até os pochteca, os ricos mercadores associados ao estado asteca no século XVI. Ao contrário de outras mercadorias de alto valor como ouro, jade, plumas de quetzal e peles de jaguar, todas elas emblemáticas do poder real, o cacau, justamente pela divisibilidade, era muito usado para pequenos pagamentos, e a sua unidade não era o peso, mas o número de amêndoas. Logo após a conquista espanhola, no México Central pagavam-se tres amêndoas por um ovo dc peru, de dez a trinta por um coelho,  por um peru grande, por uma manta de algodao ou por uma pequena canoa e de a por um escravo. Durante todo o periodo colonial e pelo menos até meados do século XIX, o cacau amnteve-se em uso como moeda divisionária. Em 1842 John L Stephens, o redescobridor das ruínas maias, pode constatá-lo no Yucatán e observou que esse “ meio circulante tem sempre um valor real, que é regulado pela quantidade de cacau que há no mercado nessa época, naturalmente, quem controlava o comércio do cacau e determinava o seu valor eram empresários brancos.

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No México, os espanhóis levaram algum tempo para se acostumar à bebida de cacau. Os indígenas a tomavam  fria, sem nenhum adoçante e. naturalmente, sem leite, o que a tornava intragável ao paladar europeu. A adição de açucar de cana, canela e anis a fizeram mais apetecível e ela passou a integrar a dieta criolla tornando-se cada vez mais apreciada. Para melhor conservação durante o transporte marítimo e a distribuição pela Europa, foi adotada uma forma de preparo que já era conhecida dos guerreiros astecas durante suas longas marchas: o pó era prensado em forma de biscoitos ou tabletes, que no momento do consumo eram derretidos em água (no caso dos espanhóis, quente e adoçada).

Durante o século XVII o chocolate, inicialmente só como bebida e mais tarde também em forma de doces, tornou-se sempre associada aos prazeres ( e não raro aos vícios) da vida cortesã. Já no século XVIII, a expansão da burguesia e do comércio colonial só fizeram crescer na Europa o consumo de cacau, ao lado do chá e do café, alcançando setores cada vez mais amplos da classe média. Em 1772, só em Madri havia uns 150 moedores de cacau, organizados em corporações inclusive para se defender da concorrência desleal daqueles que o misturavam com amêndoas, pinhões e bolotas. Até então o cacau ainda era moído manualmente, à maneira dos Astecas, mas no mesmo ano de 1772, na colónia americana de Massachusetts, surgiu o primeiro moinho hidráulico, do qual o cacau saia em forma de tortas.

A essa história do cacau na culinária ocidental faz contraponto um capítulo sobre as fontes produtoras, onde fica-se sabendo que já em meados do século XVII, devido ao desastre demográfico c à estagnação económica, a Nova Espanha havia decaído como principal região produtora. As planícies litorâneas do Equador, da Venezuela e das Antilhas tomaram o seu lugar, ao lado da Amazónia portuguesa. O livro de Sophie e Michael Coe não é, porém, uma história económica do cacau. Faltam-lhe quase por completo dados quantitativos e mesmo indicações sobre a participação do cacau no comércio colonial. Se fosse esta a preocupação dos autores, não poderiam Ter deixado de informar, por exemplo, que durante o século XVIII o cacau era o principal produto exportado pela Amazônia portuguesa: durante a administração jesuítica embarcavam-se anualmente para Portugal 80.000 arrobas toneladas), “fora o muito que se gasta na terra e muito mais o que se perdeu por não haver já navios para ele” . Nos anos seguintes esse volume caiu pela metade e mesmo assim, entre 1756 e 1777, ainda era responsável por 61% do valor dos embarques da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, em Belém .

Em 1828 o holandês Van Houten patenteou o processo de industrialização do chocolate: uma prensa hidráulica extraia do cacau moído grande parte da gordura ( a manteiga de cacau) e um processamento com sais alcalinos aumentava a sua miscibilidade em água quente, melhorando-lhe também o sabor e a digeribilidade. Em 1847 a empresa J. S. Fry & Sons, de Bristol, passou a adicionar ao pó assim refinado, açúcar e quantidades controladas de manteiga de cacau, obtendo uma pasta que podia ser moldada em tabletes. Finalmente, em 1879, o suiço Daniel Peter teve a idéia de incorporar à mistura o leite em pó que o seu compatriota Henri Nestlé havia criado em 1867. Nascia assim o chocolate ao leite, que com a redução dos custos industriais e a boa conservabilidade, deixava de ser um exótico privilégio das elites para ganhar o mercado popular e o consumo de massa.

Na primeira metade do século XIX os portugueses haviam levado o cacau do Brasil para a Guiné, de onde ele iria-se difundir para outras colónias européias da Africa ocidental e mais tarde para a Asia de sudeste e para a Oceania. Em 1993 a produção mundial de cacau in natura era de 2,5 milhões de toneladas ( duas mil vezes maior que o tesouro de Montezuma), procedentes em 75% de cinco países: Costa do Marfim  (840.000 toneladas), Brasil (300.000), Indonésia ( 280.000 ), Ghana-(240.000) e Malásia (195.000).

O leitor que sentir a falta de dados econômicos sobre a história do cacau, será porém amplamente compensado pelas contribuições que o livro traz à história dos costumes e das mentalidades. Inicialmente perplexos ante a preferência dos índios por essa estranha bebida, os europeus   desde o século XVI, situá-la no quadro de suas noções de medicina e saúde, o que aliás fariam com a maioria dos alimentos e especiarias exóticas que os descobrimentos estavam trazendo para o ocidente. Como dizem os autores, O chocolate seria bom, mau ou indiferente para a saúde? Era esse um tópico vital para os espanhóis, a mercê de uma inútil e frequentemente perniciosa constelação de teorias médicas que mantinha preso o mundo ocidental há quase dois milénios”. A teoria hipocrática dos humores ( sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra), associada à noção galênica de que os humores, as doenças e os seus remédios podem ser quentes ou  frios e úmidos ou secos, estava em plena vigência na Europa renascentista e barroca. Em breve surgiram teorias, muitas vezes contraditórias, sobre as propriedades, virtudes e malefícios do chocolate, sabiamente conciliadas em 1591 por um naturalista espanhol que descobriu haver nele três partes: uma “fria e seca” , outra  morna e úmida”, e uma terceira muito “quente” e causadora de enxaquecas. 

Já em meados do século XVII, porém, essas preocupações sanitárias, bem como a querela, nos meios católicos, sobre se o consumo do chocolate quebrava ou o jejum, a bebida espumosa e um tanto indigesta havia sido adaptada ao gosto europeu, t:ornando-se mais doce e cremosa, e se na França ainda era consumida quase exclusivamente pelas efites, na Inglaterra de Cromwell ela já se democratizava. Com a tomada da Jamaica, em 1655, o cacau passou a chegar regularmente e a um custo menor aos cafés londrinos, e quatro anos depois um jornal da cidade publicava a propaganda de um comerciante:” O chocolate, uma excelente bebida das Índias ocidentais vendida em Queen’s - Headelley... é muito apreciado por suas excelentes qualidades. Ele cura e protege o corpo contra muitas doenças, como se lê no livro que também está à venda”

Na França do século XVII o chocolate iria ser arrastado para a luta ideológica. Os filósofos das luzes, em sua ética comportamental, opunham ao chocolate barroco e aristocrático, corruptor do corpo e da mente, o café burguês e liberal, aguçador do intelecto e dos sentidos. A Revolução venceu e transformou a Europa e a América, mas o chocolate, longe de ser banido da sociedade moderna, iria conquistá-la pelo seu flanco mais vulnerável: a boca.

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Comentário


Lidia 9°D diz: Comentario feito em 30/11/2017

Gosto muito de chocolate, acho q se não houvesse o chocolate seria triste a vida das crianças.O cacau é umas das melhores frutas que já encontraram.

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