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EJA, aprender ou ensinar?

Escrito por REGINALDO DOS SANTOS AURESLINO em 02/01/2014

Dar aulas para adultos é um desafio que nos leva mais a aprender do que ensinar.

 

Discutir o continente europeu é um dos conteúdos mínimos a serem abordados na 7ª série. Cabe ao professor selecionar sobre qual aspecto abordar o continente e procurar valores que realmente serão úteis para o aluno no seu quotidiano.

Diante desses fatos, estávamos discutindo sobre religiões, e a discussão foi parar no Anglicanismo. Consultando no primeiro segundo a minha memória dei a minha opinião de que o Anglicanismo seguia os dogmas protestantes, sendo uma Igreja fundada pelo próprio Rei da Inglaterra com o objetivo de usurpar os bens da Igreja Católica em meados do século XVII seguindo o príncipe Charles como o chefe da Igreja Anglicana.

Um fio de suor desceu da minha testa quando o ótimo aluno Mauro, um senhor (e sempre atento às aulas) na casa dos 35 anos me questionou com espanto e discrição:

 

- O quê? Os Anglicanos são protestantes?

Mais um segundo eu tive pra pensar e de imediato eu respondi sem muita convicção:

Um ritual católico mas com dogmas protestantes!?

- Ah, bom! Respondeu o Mauro

 

Parei mais alguns segundos e voltei no longínquo ano de 1990, quando eu estudava em Belo Horizonte e relembrei do ótimo Professor Reinaldo que (como diriam os antigos) com apenas a saliva e o giz me prendia a atenção nas suas aulas de história. Nada convencido das minhas próprias concepções fui obrigado a estudar e rever o conceito graças à memória do Mauro, que talvez tenha voltado muito mais longe do que eu para me constranger com sua pergunta.

 

Aprendi novamente com o Mauro um aspecto peculiar dos Ingleses e discuti posteriormente com ele sobre o assunto.  Aprender e reaprender é uma prática constante e muito maior até do que ensinar.

 

       E de acordo com a Lei das Diretrizes e Bases deve haver a valorização da experiência extraescolar do aluno. Nada mais justo e óbvio do que valorizar o conhecimento que cada pessoa acumulou em seu tempo de vida. Muitos desses alunos são um universo de conhecimento a ser explorado, basta ouvi-los e percebemos também nossa ignorância sempre maior do que nosso próprio conhecimento.

 

      Em 2013 tive o prazer de dar aulas na E. M. José Padin Mouta, logo percebi um perfil cultural e social da grande maioria dos alunos acima da média. Também não me causou surpresa quando a aluna Rosana nos contou sobre sua experiência de ter vivido mais de 10 anos na Itália.

   Rosana fala fluentemente o italiano, o português e o inglês, além de discutir com propriedade vários assuntos referentes à política, economia, religião e outros temas, é uma pessoa esclarecida.

Fiquei realmente surpreso foi quando Rosana ratificou, nas aulas de geografia da população, que países como a Espanha ou Itália é difícil encontrar lojas que vendem roupas de bebê, pois sofrem com o pequeno número de crianças por casal (taxa de natalidade).

      Diante de todo esse conhecimento prático da aluna Rosana do 2.º ano do Ensino Médio tive a ideia de transformá-la em professora do Ensino Fundamental, ao menos por um dia. Cada aluno do 7.º ano elaborou três perguntas que a Rosana levou para casa e fez questão de trazê-las respondidas, não por necessidade mas por sua própria competência e atenção à minha solicitação. Dias depois essas perguntas foram respondidas numa espécie de “mesa redonda” para os alunos da 7.ª série do EJA.

     Vale ressaltar que desde o início desse projeto eu pedi à aluna para cantar uma música em italiano no final da apresentação e ela cumpriu o prometido. Aquele momento foi fantástico e maravilhoso, olhei para a expressão de cada um dos alunos se estavam eufóricos como eu estava.

     Que pessoa corajosa e brilhante essa moça!  Se expôs a todos e deu o que ela tinha de melhor! Fico grato eternamente à Rosana.

     Alguns dias depois, encontro com Dona Azilina, uma das (ótimas) alunas do 2.º ano do Ensino Médio no ônibus coletivo. Ela me falava de sua profissão como cuidadora de enfermos e me disse que a sua maior conquista em 2013 foi ter conhecido uma pessoa maravilhosa, atenciosa, carinhosa e realmente amiga.....A Rosana!

 

Todos nós temos algo de bom pra dar, basta sair da zona de conforto e se arriscar.

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Comentários


Carla Carvalho diz: Comentario feito em 02/01/2014

Realmente, é isso que falta em muitos professores: Reconhecer o aluno como fonte de conhecimento. Temos sempre muito a aprender E que escola legal! Que oportunidade boa que você teve de encontrar alunos do EJA como estes. Parabéns Regis! E feliz 2014!!!

Prof. Charles Oliveira diz: Comentario feito em 08/01/2014

Assim se constrói conhecimento, parabéns pela postura professor, conforme Paulo Freire, somos inacabados, estamos sempre apendendo, e respeitar o conhecimento do discente é parte desse aprendizado!

Prof. Moacir diz: Comentario feito em 09/01/2014

Parabéns Reginaldo, a mediação e a troca são bases do ensino. No caso da EJA isso se dá de forma peculiar, tempo e espaço se mesclam na transformação cultural.

Patrícia Cristina Miranda diz: Comentario feito em 10/01/2014

Parabéns, Reginaldo! Seu olhar atento e humilde para os alunos da EJA na experiência relatada demonstra não só a dedicação e o gosto de ensinar, mas também prazer em aprender. Essa é a relação que nós professores devemos sempre praticar.

Professor Manuel diz: Comentario feito em 02/04/2014

Parabéns, amigo Reginaldo, pelo relato de suas vivências com alunos da Eja. Também já tive a oportunidade de trabalhar com eles na EM Wilson Guedes, e foi prazeroso poder aprender com suas experiências.

Rosana Baracho diz: Comentario feito em 26/05/2014

Obrigada Professor Reginaldo eu fico muito orgulhosa por ter tido essa oportunidade de me expor e saber que fui útil para alguém, foi realmente um momento fantástico que levo eternamente com carinho em meu coração.

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