Trecho na íntegra, palestra sobre a Capitania de São Vicente - 1952.
Escrito por ANTONIO PAULO DE AMORIM FERREIRA MORAES em 20/02/2015
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Óra, em São Vicente – “Célula Mater” – formou-se um povo daquela ciclópica tarefa atravez do Brasil enorme e tropical porquanto o branco, desde logo e durante os dois primeiros séculos da colonização, fundiu-se intensamente com o índio, elemento autóctone, absolutamente aclimado – ou aclimatado – ao áspero meio físico em que se ia desenvolver a nova civilização.
Mais tarde, completando esse amálgama racial, chegou o terceiro elemento básico, o africano, o homem mais adequado ao trabalho braçal da lavoura e da mineração sob o sol dos trópicos.
A fusão entre o branco e o índio, em São Vicente, começou antes da fundação oficial da vila e capitania, em 1532, por Martim Afonso de Souza. É por demais conhecida essa história, de fundo acentuadamente dramático e sentimental. Quando Martim Afonso aqui chegou, à testa de sua expedição, já encontrou uma povoação existente desde cerca de 1510, com uma torre de pedra e algumas casas habitadas por brancos europeus, por jovens mamelucos e índios amigos, neste ponto da costa que desde os mapas do ano de 1502 era chamado de São Vicente. Dêsses brancos, os três mais célebres foram os portugueses João Ramalho, o bacharel Cosme Fernandes e Antônio Rodrigues. Quais os infortúnios que arremessaram a estas plagas os três portugueses, ninguém sabe ao certo, e, provavelmente, ninguém os saberá jamais. O que é indubitavelmente, porém, é que êsses três portugueses foram vigorosos e bravos tipos de homem, de alto padrão biológico, que, graças à fibra, venceram a adversidade e triunfaram sobre o meio estranho, selvagem e inóspito e deixaram uma numerosíssima descendência bronzeada de rudes conquistadores do sertão.
João Ramalho, português robustíssimo, que viveu mais de noventa anos, antepassado de toda velha grei bandeirante, uniu-se a índia Bartira, filha do cacique Tibiriça e dela houve filhos e filhas que figuram desde logo nas páginas de abertura da “Genealogia Paulistana”, de Luiz Gonzaga da Silva Leme. Que o português amava a índia com amor de marido, não há dúvida nenhuma. Dele diz o padre MANOEL DA NÓBREGA, em 1553, escrevendo a seu superior em Portugal:
Nesse campo está um João Ramalho, o mais antigo homem que está na terra. Tem muitos filhos e mui aparentados em todo êste sertão... Êsse homem para mais ajuda é parente do Padre Paiva e cá se conheceram.
Quando veio da terra, que haverá 40 anos e mais, deixou a sua nulher lá, viva e nunca mais soube dela, mas lhe parece que deve ser morta, pois já vão tantos anos. Deseja muito casar-se com a mãe de seus filhos. Já para lá escreveu e nunca veio resposta deste seu negócio. Portanto é necessário que Va. Ra. (Luis Gonçalves da Câmera) envie logo a Vouzela, terra do Padre Mestre Simão, e da parte de Nosso Senhor lho requeiro: porque se êste homem estiver em estado de graça, fará Nosso Senhor por ele muito nesta terra. Pois estando ele em pecado mortal, por sua causa sustentou até agora.
Termina o padre Manoel da Nóbrega sua carta pedindo ao Núncio, si possível, a dispensa eclesiástica para João Ramalho casar-se com Bartira. Não esqueceu o bondosíssimo padre Manoel da Nóbrega de deixar claro, na carta, que, si houvesse alguma despesa, pagá-la –ia João Ramalho em espécie, com açúcar de São Vicente.
Como se vê, em 1553 ainda vivia João Ramalho em pecado mortal com a índia Batíria, mãe de seus filhos. Que Deus já os tenha perdoado, pelo muito que se amaram e pelo muito que fizeram pela cristianíssima Capitania de São Vicente.
... continua
Referência:
Cópia na integra de um trecho da palestra:
São Vicente e Sua Formação Étnica
(Introdução ao Histórica ao seu estudo)
Palestra proferida pelo Adv Joaquim D. Alves Feitosa, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santos no Atlântico Clube Vicentino, aos 17-9-1952, sob os auspícios do Serviço Municipal de Educação, Saúde, Cultura e Assistência Pública da Prefeitura Municipal de São Vicente
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